Introdução

"Cada escritor, cada talento. Todos têm a sua maneira de escrever, e a escrita nestas circunstâncias não se aprende... nasce, vive do génio, da vocação, da inteligência. Quem idealiza, escreve... e quem escreve, idealiza. Porém considero o que escrevo não ser fruto da inteligência e muito menos do génio. Nada vos será revelado de novo no âmbito desses conceitos. Considero, isso sim, demonstrar o talento e a vocação dum homem do povo."
larbac

Este blogue é dedicado a todos os familiares, amigos e simpatizantes de Manuel Cabral. Aqui podem ver ou rever algumas das suas obras, deixar comentários, ideias e sugestões. Se possui algum texto do autor que não se encontre presente neste espaço, não hesite e envie-o para:

Historial

Manuel Cabral nasceu na freguesia dos Olivais a 16 de Janeiro de 1916. Não sendo aprofilhado pelo pai e o falecimento da mãe ainda na sua infância, viu-se educado num orfanato onde se formou com alguns estudos. A sua intuição pela poesia começou cedo, escrevendo desde os quinze anos para o jornal poético "A Canção do Sul".

O facto de se ter tornado campeão de Lisboa de futebol pelo Sport Lisboa e Olivais e a transferência para o Clube Estefânia, ditaram a sua saída do colégio aos dezanove anos. Nunca abandonou a prática do desporto durante toda a sua plena juventude, sendo treinador da modalidade de basquetebol do Atlético Clube de Moscavide e do Vitória Clube de Lisboa. Mas o seu maior feito no desporto, foi a consagração de campeão nacional de basquetebol pelo Sport Lisboa e Benfica em primeiras e terceiras categorias. Porém, infelizmente, o desporto não lhe permitia por si só o seu sustento.



Foi no ingresso ao mundo laboral, mais propriamente no Comércio, que começou a interiorizar a humanidade como algo diferente daquela que tinha idealizado no orfanato. Honestidade era palavra vã dominada pela calúnia, hipocrisia e mentira, e nem todos comungavam do bem e da verdade. Em 1939 ingressou no mundo da Indústria. Mas o seu espírito crítico por uma sociedade mais justa traçou-lhe os muitos tropeços aqui e acolá, em Indústrias de Tinturaria, Borracha, Cortiça e Metalomecânica.

Chegou a recomeçar do zero até mesmo no plano familiar, casando depois de enviuvar com uma prima da sua mulher falecida. Já com dois filhos do primeiro casamento realizou-se novamente como pai de mais duas meninas.

Apesar de não ter tido muitos conhecimentos musicais, por intermédio de um banjo, compôs músicas e foi ensaiador de marchas populares e ranchos folclóricos. Mas as qualidades artísticas que marcaram o papel mais relevante da sua vida foram os contos, novelas e poemas que escreveu segundo a sua crítica social e política. Utilizando sempre o pseudónimo literário de "larbac", o seu apelido invertido. Enquadrado em diversas esferas da sociedade, já conhecendo bem os seus defeitos e virtudes, foi principalmente nos seus poemas que deu voz à sua revolta. Pelos muitos que se foram identificando com as suas palavras poéticas, verificou que não se encontrava sozinho nos valores que defendia. Por ser um subversivo do regime de ditadura e muitas vezes arriscar a divulgação dos seus escritos, correu sérios riscos de ser identificado e preso.

Quando tutelou a secção de dadores de sangue da Companhia de Electricidade de Portugal, função da qual se realizou em pleno profissionalmente, um acidente vascular cerebral no final dos anos setenta ditou-lhe o fim da sua carreira.

Porém, a sua verdadeira paixão pela escrita continuou sempre viva e tomou como cúmplice das suas palavras a sua velhinha máquina de escrever. Mas, ao longo dos anos, com algumas doenças degenerativas, a visão e os movimentos foram-se limitando e não o permitiram mais escrever na sua Olivetti que foi, em consonância com os seus familiares, a sua companhia de eleição até ao final dos seus dias.

Os dois... e a Lua!



Tua boca fui beijar,
Numa noite de luar
Á porta da tua rua!
Por testemunha ficou
Do beijo que se trocou,
Somente no céu a Lua!

E em sonhos, continuamente,
Eu julgo beijar-te sempre,
Ainda com mais ardor!
Até a auroro romper,
Julgo teus beijos beber
Num vinho embriagador!

Quando matei meu desejo
Dando-te o primeiro beijo,
Palavra... que tive medo!
Que a Lua descesse à Terra
A proclamar-nos guerra!
Mas ela guardou segredo!

Se te beijo com ardor,
A Lua sente o calor,
Entre nuvens lá no céu!
Ela é nossa confidente...
Hei-de amar-te eternamente...
Tu és minha, eu sou teu!

Conto para meditar



Numa aldeia de França, oiçam bem,
Em misera casinha onde viviam,
Duas lindas crianças com a mãe...
Aos quais só frio e fome padeciam!

O pai tinha partido lá da terra,
Para defender a Pátria... o seu país.
Mas dois meses depois de dar-se a guerra,
O destino cruel foi-lhe infeliz!

Chorasas as crianças perguntavam:
– Maezinha, o nosso pai, quando é que vem?
E os olhos dessa santa então choravam!
– O pai há-de voltar! – dizia a mãe.

Um dia lá na aldeia os rapazitos
Andando pelos campos a brincar,
Dirigiram-se à mãe em altos gritos,
Que o inimigo vinha para os matar!

A mãe, levada em pranto, ajoelhou...
Levando os filhos seus ao coração!
Junto à imagem de Cristo então rezou,
Pedindo ao Deus Senhor a salvação!

Mas eis, que entra em cena o invasor,
Cortando as preces que essa mãe a Deus pedia.
Avançando o Capitão com voz de dor,
Assim falou ao quadro que ali via:

– Senhora o vosso esposo pereceu,
Para nos salvar a vida unicamente!
Dando todo o seu corpo, o sangue seu...
E nós vimos pagar unicamente!

Ao ouvir a narração, a desgraçada,
Caiu, perdeu a vida, ante aos soldados!
Que até ao despontar a madrugada
Ali se conservaram perfilados!

Por fim o inimigo em orações,
Levaram como filhos os rapazes.
E mais tarde, ao saberem, as Nações,
Selaram para sempre as suas pazes!

A maior riqueza



Marchavam dois rapazes certo dia
A caminho da escola, com presteza
Grande diferença neles existia
Um é a Opulência, outro a Pobreza!

Um deles na aparência superior
É filho de um grande proprietário,
O outro a demonstrar menos valor
É filho de um obscuro operário.

Seguindo ambos o mesmo caminho
Falando nos Artigos e no Nome,
Encontram os rapazes um velhinho
Mortinho de cansaço e cheio de fome!

O velho se dirige nestas frases
Meninos, dai-me esmola por favor!
Mas só um daqueles dois rapazes
Avançou para o velho… e com amor.

Bom velho tem aqui para aliviar
A fome neste pedaço de pão!
Sou pobre nada mais lhe posso dar,
Aceite, é uma prova de união!

Aceita o pobre velho aquela esmola
Do filho do operário comovido.
É tarde e quando volta para a escola,
Já o seu companheiro tinha partido!

Na aula o rapazito entra a chorar,
Mas diz-lhe o professor que nada perdeu!
Aquele que procuraste auxiliar
Não era um pedinte, era eu!

Mais uma vez demonstra a tua acção,
Que a pobreza tem um valor profundo!
Mais vale possuir-se coração
Do que muitas riquezas deste Mundo!

Agonia e desespero



Mãe!... minha mãe ... imagem divina!
Adeus, ó santa mãe, eu parto agora...
Tu ficas a chorar a toda a hora,
E eu, mãe... pertenço á morte que domina!

No chores, pois foi Deus que me chamou,
Ao seu reino celeste, lá do céu!
Onde só entram filhos como eu...
E ficarás sabendo para onde vou!

Desço querida mãe, à campa fria,
Pois já sofri demais... mais não mereço!
Parto, vendo em redor a desventura!...

Quão diferente sou eu daquele dia,
Em que me embalavas, mas... no berço,
E hoje me beijas na sepultura!

----------------------------------------------

Filho!... querido filho!... a mãe levada,
Em doloroso pranto pede em vão,
Seu filho já defunto num caixão...
Transformado nas trevas... ou do nada!

E essa mãe com olhos de "ébrio” perde o norte!
Mete dó vê-la assim na sua dor;
Braços erguidos em preces ao Senhor,
Tentando em vão, tirar o filho Morte!

Mas o filho partiu e a desgraçada
Cai numa cadeira, desmaiada...
Ante o ataúde, do filho muito amado!

Baralha o pensamento, volta, em suma.
E as lágrimas vão caindo, uma a uma,
Sobre o sou manto de luto carregado!

Morte



A morte quando apareceu
Assim à vida falou
Quem rege agora sou eu
O teu reinado acabou

Olhei o mundo de frente
E o que vi? Coisa banal
Centos e centos de gente
Com "caras" de Carnaval

A pedra



Doente, faminto e esfarrapado,
O tio Braz, mal podia caminhar
Todos os dias ele lá ia ao Povoado,
Na negra missão de mendigar!

Um dia, cheio do esperança foi bater,
Á porta de um senhor proprietário,
Como não o vieram atender,
Sentou-se nos degraus dum fontenário.

Até que alguém lhe apareceu ...
Era o abastedo, senhor dc Saavedra.
— Fora daqui, cão danado, seu judeu!
E vai, atirou—lhe com uma pedra!

O tio Braz, nem sequer pestanejou,
Nem deu mostras de ter ficado contrafeito
Foi—se à pedra, do chão a apanhou
Nervosamente, a guardou junto do peito!

— Senhor, lhe diz, eu seu um pobre velho,
Sem saúde, sem ter pão, sem ter um lar!
Guardo esta pedra, para que Deus me aconselhe,
A um dia eu a ter que lha atirar!

O Saavedra, incidindo em más acções,
Despojado dos seus bens, foi internado
Numa das muitas e insuportáveis prisões
E pelo Braz, certo dia visitado.

— Senhor, eu sou o Braz, o tal pedinte,
A quem um dia, esta pedra, atiraste!
Hoje venho aqui, e por conseguinte,
Pagar todo aquele mal, que me ofertaste!

— Sou, pobre, nada valho, mas irmão...
Metes-me dó, crê que sinto a tua hora!
Deus guiou os meus passos, sou Cristão!
E o tio Braz atirou com a pedra fora!

O seu melhor amigo!



Aquelo pobre velhinho,
Errante pelo caminho,
Á procora duma esmola.
Leva à frente um cão consigo,
Seu fiel e grande amigo
E ao peito uma viola!

De barbas da cor do linho...
Caminha a custo é ceguinho,
É como um barco sem escala!
Num constante vai e vem
Sem amparo de ninguém,
Seu amparo é uma bengala!

Que a garotada apoucava
O velho quando tocava
Junto ao Terreiro da Escola!
Cantando por caridade
Levava da mocidade
Só ilusões na sacola!

Sem um ai, sem um lamento...
Posto ao sol, à chuva, ao vento,
Sabe-se lá... sem guarida.
Sua viola trinando...
Chora!... Enquanto ele cantando,
Vai dizendo adeus à vida!

Pôs fim ao seu sofrimento,
Como nau perdida ao vento
Açoitada pelo Mundo!
De barbas da cor do linho,
Aquele pobre velhinho,
Deixou um pesar profundo!

Ao ver que a morte tardava...
Que a vida à morte entregava,
Fez da viola... caixão!
Da bengala fez a cruz!
Da sacola o seu capuz!...
Morreu abraçado ao cão!

A moleira



Quinta-feira de Ascenção,
Anda a filha do moleiro,
Com o seu traje domingueiro
A saltitar de emoção!
Entre tanta rapariga
Só ela sem namorico,
De tarde apanhava a espiga,
E à noite ia ao bailarico!

A Ana Moleira,
Com o par a seu lado,
O Manuel da Eira
Muito envergonhado!
Sorria e cantava,
A vida era bela!
Mas não reparava,
Que ele gostava dela!

Passaram-se anos e então,
Ana a linda moleira,
Uniu o seu coração
Ao moço Manuel da Eira!
Entre tanta rapariga
Já tem mais que namorico!
Já não vai de tarde à espiga,
Nem à noite ao bailarico!

Descendência



Chamei-os para que escutassem
Esta minha voz de agora.
Quem me dera que voltassem,
Uns cantares que ouvi outrora.

Recordações, mais de cem,
São a razao do meu fado!
Os doces tempos de além,
São cinzas do meu passado!

Castiça voz... e altaneira!
Eu a ouvia num “corrido"...
Sentado junto à lareira
Todo preso ao seu sentido!

Sem guitarra, lembro bem,
Com voz “castiça" e singela!
A ouvir cantar minha mãe,
Fiz-me fadista como ela!

Eterna Mouraria



Eu sonhei que o Fado era,
Uma canção tão pungente
Cantado por toda a gente,
Como o cantou a Severa!
Noutros tempos, noutra hera,
Em que as próprias “ cigarras,”
Cantavam canções bizarras,
Desde manhã ao sol-pôr
No cume do seu Amor,
Um palácio de Guitarras!

Um palácio, digo bem
Onde a raça Portuguesa,
Ligou o Fado à nobreza
Dotando, a Guitarra Mãe!
Sonhei que o Fado, porém,
A cada passo, morria
Sua voz se corfundia,
Nos Bairros desta Lisboa...
Nova hera do Malhoa,
Se eu pudesse, construia!

Sonhei também que o fadista,
Ao cantar o fado seu,
O Fado, que Deus lhe deu,
Se virara mais artista,
Na sua voz realista
Cantando ao som das guitarras,
Notara bem nas amarras,
Onde se prendera um dia,
Ao Bairro da Mouraria,
Com janelinhas bizarras!

Hoje onde o Fado nasceu,
Já ficou para o passado?
Já lá não canta o Fado?
Sua voz desapareceu?
Mas o Fado não morreu
Lá ficou a nostalgia,
De o Fado, voltar um dia,
Com “Severas e Cigarras"...
E com mais de mil Guitarras,
Viradas pera a Mouraria!

Fado do porquê



Porque partiste
P'ra longe dos olhos meus?
Porque fugiste
Sem sequer dizer-me adeus?

Porque mataste
Uma esperança vivida?
Porque a queimaste
Com a chama da própria vida?

E a toda a hora
Com o teu retrato a meu lado,
Eu passo agora
A reviver o passado.
Não sei porquê,
longe de ti entristeço.
Que Deus me dê
A hora do teu regresso!

Porque vieste
Acender uma paixão?
Porque quiseste
Destroçar meu coração?

Porque partiste
Sem um abraço sequer?
Porque caiste
Nos braços de outra mulher?

E a toda a hora
Com o teu retrato a meu lado,
Eu passo agora
A reviver o passado.
Não sei porquê,
longe de ti entristeço.
Que Deus me dê
A hora do teu regresso!

Porque faltaste
A uma promessa de amor?
Porque juraste
Aos pés de Nosso Senhor?

Porque fugiste
P'ra longe da minha rua?
Porque mentiste
Nessa hora em que fui tua?

E a toda a hora
Com o teu retrato a meu lado,
Eu passo agora
A reviver o passado.
Não sei porquê,
longe de ti entristeço.
Que Deus me dê
A hora do teu regresso!

Quadras populares



Ateei uma fogueira
Num coração de mulher,
Para andar a vida inteira
Com o meu coração a arder!

O meu par ó S. João,
Já me tirou o sentido...
Já deu o seu coração,
Já tem outro para marido!

Com os corações de abalada
Fomos saltar a fogueira.
O dela, todo geada...
O meu, escaldante em cegueira!

Dá-me as chaves, ó S. Pedro,
Para que te possa dizer
O que existe de segredo...
Num coração de mulher!

Um arco todo enfeitado
Sem balões a iluminar,
É como um lar destelhado
Tendo a lua por seu par!

Dá-me o braço e vem saltar,
Trás contigo um mangeriro.
Serei pobre, para casar...
Mas por te amar, serei rico!

Não quero que o meu balão
Se apague quando eu o erguer...
É como se um coração,
Outro não queira valer!

São João, o que te peço
Nesta noite de folia,
É que dês ao Universo
Amor, Paz e Harmonia!

Santo, santo pedinchão,
Folião até demónio!
Quem é que dá um tostão
Em louvor a S. António?

Uma cantiga, um desejo...
Muita fé no coração.
Um segredo, um longo beijo...
Eis Lisboa, na expressão!

Não és linda nem és feia



Dizer que não és bonita,
Nunca alguém ouviu dizer.
Não és bonita a valer,
És boa rapariguita.
Tens um corpo bem catita,
Uns olhitos de sereia...
NÃO ÉS LINDA... MAS ÉS CHEIA,
De frescura e de pudor,
E deixas preso de amor
Todo aquele que te rodeia!

A tua graciosidade
Quando te vejo passar,
Deixa-me só a pensar
Como embebido em saudade!
Não és linda na verdade...
E feia menos ainda!
Sei que te chamas Gracinda,
Um nome cheio de graça;
E a tua graça não passa,
DUMA GRAÇA QUASE INFINITA!

Eu gostava de saber
Qual das mulheres a mais bela,
Para te julgar por ela
Depois dar-te o meu parecer.
Cá no meu fraco entender
Essa tua formosura,
A qualquer dará ventura,
Não tenha fraca a ideia!
NÃO ÉS LINDA... NÃO ÉS FEIA!
És um mimo de candura.

Não há bela sem senão,
Sempre assim ouvi dizer.
Gostava de conhecer
Os teus dons de coração.
Porque a melhor perfeição,
Está no coração ainda.
E sendo os teus dons Gracinda,
Do coração, impureza,
Não és feia concerteza,
MAS ÉS MAIS FEIA QUE LINDA!

NÃO ÉS LINDA... MAS ÉS CHEIA,
DUMA GRAÇA QUASE INFINITA!
NÃO ÉS LINDA... NÃO ÉS FEIA!
MAS ÉS MAIS FEIA QUE LINDA!

O retrato de Joaquina



Eu sonhei que uma cigana,
Me tivera lido a sina.
– A sua mão não engana,
Tem gravado, Joaquina!

– O seu retrato pintou,
Com tintas de várias cores,
É mulher que nunca a amou
Mas que tem muitos amores!

É franzina e de bom porte,
Delicada e de bom trato!
Poeta quis ter a sorte
Em pintar o seu retrato!

E pintou a Joaquina,
Com umas tintas singelas.
Ficou imagem divina
Retratada em aguarelas!

– Estou a ver – diz a cigana
Nesse sonho que sonhei.
– Joaquina é soberana,
E você é o seu rei!

Estou a ver os seus cabelos,
Seus olhos tão delicados!
– Não queira você perdê-los,
Será rei dos destronados?

Elegante no andar,
Rosto a denotar formosura!
— Se você não se apressar,
Vai borrar toda a pintura!

Retrato de Joaquina,
Quando o poeta acordou:
Nem a cigana, leu a sina,
Nem o poeta a pintou!

União à Portuguesa



Irmãos unidos estamos
Neste preito de Saudade,
A todos vós desejamos
Venturas, Felicidades!

Reina em nós certa alegria,
Difícil de descrever!
Igualada a uma harmonia,
num feliz alvorecer!

Todos de copo na mão,
Neste dia grandioso!
Saudamos com devoção,
O Deus Baco poderoso!

E se o engenho e a arte
Nos fadou para beber...
De beber ninguém se farte,
É esse o nosso dever!

Quando a musa antiga canta
Num garrafão atestado...
Logo um prazer se levanta
Pondo a garrafa de lado!

Petisqueira sem tinto...
Tinto sem petisqueira...
É como um prato faminto
Feito por má cozinheira!

Unidos pelo destino,
Com fé, crença e devoção...
Cantamos o nosso hino,
Ao Deus Baco carrascão!

Quadras soltas



Eu namorei uma Rosa
Um modelo de carinhos
Por fora muito formosa
Por dentro cheia de espinhos

As tuas provas de amor
Que me ofereceste na serra
São sementes da vil dor
Que espalho sobre a terra

O amor é o que é na vida
Símbolo de muitas paixões
O ciúme é uma bebida
Que embebeda corações

Que embebeda corações
De seres muito perferidos
Sem conserto ou união
Que vivem de seus partidos

O nosso amor verdadeiro
Desapareceu como fumo
Em noite de nevoeiro
Foi como um barco sem rumo

Nasce o sol sobre o poente
Queimando o trigo na eira
Também o peito da gente
Queima de amor e cegueira

Se o pão é dado por Deus
É justo que o comam todos
Quando não o tenho prós meus
Choro lágrimas a rodos!

Ideologia poética



Sinto por mim aversão,
De existir num mundo avesso!
Onde a palavra união,
Se vende por qualquer preço!

Eu já pedi clemência
A um coração mal formado!
Pois deu-me por consciência
O troco do seu pecado!

Quis rezar, pedir a Deus
Que desse ao mundo mais luz!
Revivi pecados meus...
E quedei-me a olhar a cruz!

O meu passado não choro,
Meu presente não lamento...
Mas ao futuro eu imploro,
Não me dê mais sofrimento!

Quando meus olhos fechar,
E o dia desaparecer...
Quero a campa por altar!
E o céu para me acolher!

Que razão terá o mundo,
Das mágoas que me consomem?
O mundo não me quer mal...
Quem me quer mal é o homem!

Um dia pedi esmola,
E a quem pedi... adivinha?
Chorou, abriu a sacola
E deu-me o pouco que tinha!

Toda a vida defendi
Os meus francos ideais.
Amigos a quem me uni
Eram filhos de outros pais!

A vida, o mundo afinal...
São como contas correntes!
Um humano Carnaval,
Com duas faces diferentes!

Decrepitude



mote
VAI TÃO LONGE A MOCIDADE
SINTO TÃO PERTO O MEU FIM!
QUE ÀS VEZES CHEGO A PENSAR
EM DEITAR LUTO POR MIM!

1
Quanto mais velho me faço
Mais me domina a Saudade…
Entra em mim certo cansaço,
VAI TÃO LONGE A MOCIDADE!

2
Doenças que nunca tive,
“Caruncho”, coisa ruim!
Meu coração pouco vive…
SINTO TÃO PERTO O MEU FIM!

3
Tantos anos tanta história,
Eu pretendo recordar!
Vai-me faltando a memória…
QUE ÀS VEZES CHEGO A PENSAR

4
E já que a Morte se afasta
E a vida não me põe fim…
Peço à vida que me arrasta,
EM DEITAR LUTO POR MIM!

A vida é assim



Partiste mulher
Deixando uma aberta!
Mas outra qualquer
Vou ter pela certa!

Partiste e agora?
O que será de mim?
Meu coração chora,
Mas outra implora,
A vida é assim!

Uma ilusão,
Um longo sofrer!
Na palma da mão
Ninguém queira ler!
Nem a cigana que há pouco passou,
Uma dor humana
Não adivinhou!

Dizer adeus,
Forçado... e sorrir!
É pedir a Deus
Um doce porvir!
Vida perdida
Quem é que a não tem?
Atrás duma vida,
Outra vida vem!

Remorso



Rescaldei com água santa
As cinzas do meu passado!
Meu coração ainda canta...
O meu ser vive calado!

Vive calado o meu ser,
Procurando um mal cobrir...
Levando a vida a sofrer,
Pois não se pode expandir!

Quem na vida já pecou
E se vê regenerado,
Desse mal que praticou,
Vive "morto"... revoltado!

Cala bem fundo essa dor!
Vê-a sempre persistir!
Cumpre assim um mal maior,
Suportando atroz carpir!

Malmequer da ilusão!



Mal-Me-Quer do meu jardim
Flor, por mim plantada...
Do Muito que espero para mim
Dá-me Pouco em vez de Nada!

De Muito um dia te querer
Bem-Me-Quer, eu aprendi...
Desfolhei um Mal-Me-Quer
Tirei um Nada de ti!

De pétalas todas no chão
Mal-Me-Quer ficou despido...
Destroçou meu coração
De Mal-Me-Quer... ficou ferido!

Mal-Me-Quer, batido ao vento
De pétalas todas no chão!
Pisadas com sofrimento!
Espalhadas... numa ilusão!

Balada da vida



Vida...
És num lamento, todo o meu viver!
Para que te quero tão triste?
O que nasceu para sofrer,
Jamais ao seu penar resiste!

Vida...
És cumeada de ilusões,
Presa da mais fraca fragilidade!
Reduzes vidas a montões,
És vida bem negra na verdade!

Pão amargo



mote
JÁ ESTOU FARTO DE SERRAR
E NÃO VEJO SERRADURA!
OU A SERRA NÃO TEM DENTES,
OU A MADEIRA É MUITO DURA!

1
JÁ ESTOU FARTO DE SERRAR
E nunca mais chego ao fim!
Se eu p'ra mim não trabalhar,
Ninguém trabalha por mim!

2
E NÃO VEJO SERRADURA!
A cabo de tanta lida!
Torna-se a vida mais dura,
Nos vencimentos da vida!

3
OU A SERRA NÃO TEM DENTES,
Ou os braços já não dão.
O suor cai-me em torrentes...
Vai-se a vida, não há pão?

4
OU A MADEIRA É MUITO DURA!
Ou a serra já não presta.
Dela usufrui desventura...
E a pobreza que me resta!

Os Reprovados



A Pide, alma assassina,
E com fel no coração!
Uma arma... carnaficína...
Escola de repressão!

O Povo não compadece
Ideais Salazaristas!
E a terrível D.C.S.
Os servidores dos fascistas!

Agora que um Povo unido
Aos seus soldados da paz.
Nunca mais será vencido!
Jamais voltará atrás!

Tudo o que a Pide estudou
Para a morte... para o mal,
Foi a Pide quem chumbou
No seu exame final!

A grande guerra



Maldita seja a Alemanha!
Essa nação que desenha,
Quadros de sangue e de dor!
Maldita sejas na terra!
Tu que procuras a guerra,
Da Europa ser senhor!

Maldita sejas... maldita!
São gritos de mãe aflita,
Gritos de mãe desolada!
A quem os filhos mataste
E a pátria sacrificaste,
A tua ânsia malvada!

A França, heróica nação,
foi de vido a uma traição,
Que capitulou, é verdade!
Numa briosa campanha,
A lutar contigo Alemanha,
Pela Paz e Liberdade!

E não ficou para a História,
Da França, nova glória,
Porque essa traição não quis!
E tu Alemanha, interesseira,
Pudeste erguer a bandeira
De Marselha até Paris!

A tua ambição na guerra
É conquistar toda a terra,
Fazer-te senhor do Mundo!
Alemanha, essa esperança,
É um sonho de criança,
Há quem te conheça o fundo!

A Itália entrou a teu lado,
Esse país condenado,
À tua aliança e manha!
E nesta guerra imperfeita,
Quando justiça for feita
Pena de vós ninguém tenha!

Toneladas de metralha
O suor de quem trabalha...
Teus servos e teus ateus!
Embora tenhas poder,
Creio que não possas vencer,
Justiça imposta por Deus!

Os Povos que escravizaste,
Que a pátria lhes conquistaste,
Votam-te ódio profundo!
Esperam que em nova vida,
Uma Alemanha dividida,
Curvada perante o Mundo!

Votação



Vamos votar, para quê?
Para que finalidade?
Talvez um dia o porquê
Nos traga a realidade!

Vota-se num ser, outro ser
Num parecer, num ideal!
Vota-se, sem se conhecer
O que é votar afinal!

Ideias e ideais
dispersos nas votações,
São como cantos banais
Ao gosto das multidões!

É política universal
Votar em A ou em B,
Mas no fundo o principal
Saber votar e porquê!

Votar é próprio do Homem,
Um dever da Humanidade!
Mas há votos que consomem,
Dentro deles falsidade!

Hino à Paz



Nesses campos onde se deu a guerra
Dormem corpos sobre a terra fria!
Carne morta espalhada na terra
Pasto às feras, de noite e de dia!

Pelos vales o sangue correndo
Como tinta vermelha entornada!
Lindo quadro, de aspecto horrendo
Dessa guerra amaldiçoada!

Paz,
Tu tens um valor profundo
Valor que não há outro igualado!
Bendita sejas tu no mundo
Para nosso bem e do soldado!

Paz!
Palavra preferida
E tão mal compreendida
Por muitas gerações!
Paz!
Palavra abençoada
Que tem sua morada
Nos nossos corações!

Quando a palavra Paz soou
E os arados sararam a terra,
Nada nela se encontrou
Somente vestígios da guerra!

Dessa guerra que tudo domina
E destrói com feracidade,
Só nos deixa da carnificina
Uma esperança de Liberdade!

Cavador meu camarada



A pena com que se escreve
Não é pesada nem leve
Caleja como a enxada!
Emprega-a um teu irmão
Para ganhar o seu pão
Cavador, meu camarada!

Formam um grande contraste
Cavador, já reparaste?
Uma cava, a outra escreve!
A enxada vibra no chão
E a pena no coração
Não julgues que a pena é leve!

Se ela te pesa ao cavar,
Muito tempo, sem cessar
Terra que está mal tratada!
Resolve a pena essa terra
Ao assinar uma guerra,
Pesa tanto como a enxada!

Cava, cava, cavador
Que os pingos do teu suor
Regam a terra ao de leve!
Também sua o teu irmão
Com a enxada do ganha pão
A pena com que se escreve!

Triste cortejo



Ante o toque das sereias
Com expressão nobre e séria
Passa parecendo alcateias
O cortejo da miséria!

Mãos calosas do trabalho
Corpo morto, afadigado
Peito nú, sem agasalho
De penas engalanado

Esse cortejo sem nome
Singrando a mesquinha féria
Vive alegre, mas tem fome
Triste festa deletéria!

Sem liberdade e sem vida
Cortejo sacrificado
É a expressão dolorida
De um povo sem ser amado!

Sinfonia de Abril



Ó vinte e cinco de Abril,
Que ficaste p´lo caminho!
Deste ao povo liberdade...
E o povo ficou ceguinho!

E o povo cego de esperança,
Logo apareceu à chamada.
Cada qual tomou partidos,
Partidos de mão fechada!

Até ao sexto governo
o povo veio para a rua.
Cada qual com a sua ideia,
Uma é minha... outra é tua!

A maioria virou
Depois da era fascista!
Se esta coisa um dia vira
É a morte do artista!

Do artista... digo mal!
De "artistas" reacionários,
Chegados a Portugal
Armados em proletários!

Meteram cunha no Povo
Com um pê e com um cê!
Sem cunha, nada de novo...
E não se sabe o porquê!

Um "artista" de um critério
Que correu quase meio Mundo!
Representa no prós-sério,
Mas não tem pano nem fundo!

Esta nossa Revolução,
Que nasceu, não sei p'ra quê!
Não digam que vai cair
Nas barbas de um Pinochet!

Ó meu Povo, minha gente,
Ó minha classe operária,
Quem nos dará a semente
P´ra nossa Reforma Agrária?

Tudo aumenta... faz miséria!
Ordenados não compensa!
O "poleiro" é coisa séria,
Porque de "poleiros" se apensa!

Comícios... falas banais,
Muitos sem finalidade.
O Povo sofre, é demais!
E não se encontra a verdade!

Militantes, Povo, União...
Com cravos e sem canhões,
Se rebenta a Revolução
Lá se vão as ilusões!

Conto de Abril



Acordei no mês de Abril,
Depois de tanto dormir.
Recordações? mais de mil!
Avivaram meu sentir.

Meu sentir amordaçado
Ao peso da opressão,
Acordou ressuscitado
Na hora da redenção!

Olhei tudo ao meu redor,
Com olhos cegos de espanto!
Desaparecera o terror,
O terror, que era meu pranto!

Da janela vi a rua,
Vi povo, fraternidade!
E a verdade nua e crua,
Da hora da liberdade!

Vi um povo muito unido
A pedir socialismo!
Vi o orvalho cuspir
Na fronte do fascismo!

Li na mente do soldado,
Acção falha de quesília.
Vi no Carmo ser rasgado
O tal "discurso em família"!

Da minha janela vi,
Vi chegar os exilados!
Ao vê-los sofri, mas ri
Por os ver já libertados!

Vi ao peito do meu povo,
Cravos a impor nova era.
Dum Portugal livre e novo,
Num dia de Primavera!

Vi o intermediário
Ser preso, esse homem vil!
Consultei o calendário
Era vinte e cinco de Abril!

Liberdade



Quis a Pátria ditosa em que vivemos,
Dar-nos hoje a ansiosa Liberdade!
Depois de tantos males que padecemos
Sem uso da razão... nem da verdade!

Foi ela com as suas Forças Armadas...
Esmagou a terrível repressão!
E o Povo, com o soldado de mãos dadas,
Ditaram quanto vale a União!

Por isso a Musa canta
A vitória do meu Povo!
E a nossa voz se levanta,
por um país livre e novo!

Sentimos e recordamos,
Todo o mal que padecemos!
Para a frente caminhamos
Sempre unidos... venceremos!

E já longe do fascismo
Impomos nosso ideal.
Viva a Democracia!
Viva Portugal!

O Regressado



Eu venho do Tarrafal
Fui chamado à Liberdade!
Oh meu livre Portugal
Tantos anos de saudade!

Trago o meu peito a sangrar,
Sei que até pareço um "mono".
Não sei sorrir, não sei chorar,
Sofri torturas do sono!

O meu corpo é uma ferida,
Meu coração não cedeu!
Vivi para além da vida,
Na escuridão, sem ter céu!

Unhas... não trago nos dedos!
Minha língua, está cortada!
Por não desvendar segredos
A essa Pide malvada!

Por vezes não sinto as pernas...
Outrora, sempre despidas!
P´las águas das cisternas,
Banhadas, amolecidas!

Foi-se o frio... deixei a fome!
As torturas já lá vão.
Cheguei a esquecer meu nome,
Do Mundo perdi a noção!

Já não sinto sofrimentos,
Quer de noite, quer de dia...
Foram-se embora os lamentos,
Voltou pra mim a alegria!

E a paz que trago comigo
Dá-me tal satisfação...
Que em todos vejo um amigo,
Que em todos vejo em irmão!

A dama de escuro



Eu gosto de uma mulher.
De escuro toda vestida
Diga o mundo o que disser
Ela é toda a minha vida!

Já a beijei com amor!
Já a tive nos meus braços
Não sou dela o seu senhor
Pois não são meus os seus passos!

Eu gosto vê-la de escuro
Porque oescuro lhe cai bem,
Mas palavras afirmo e juro,
Não gosto o escuro a ninguém!

Seu sorriso é um mistério,
Seu olhar uma atracção.
Toda ela é um império
Que vive no meu coração!

O seu corpo divinal,
Que um dia calor me deu.
Como coisa natural,
Mas que fez tremer o meu!

Quando eu ouço os passos seus
Por cima dos meus sentidos,
Palavra que peço a Deus
Muitos passos repetidos!

Passa parecendo andorinha
De escuro sempe vestida!
Se ela um dia fosse minha,
Dava-lhe amor! E mais vida!

Os teus beijos Maria



Maria, se os beijos teus
Ao meu ser dessem mais vida!
Maria, juro por Deus
Não queria outra bebida!

Um beijo quando roubado,
Maria, cá no meu ver
Pode bem ser um "pecado"
Embora nos dê prazer!

Ideologia de namorados



MEU AMOR SE VIRES CAIR,
FOLHAS VERDES NA VARANDA...
ACREDITA SÃO SAUDADES,
QUE O MEU CORAÇÃO TE MANDA!

MEU AMOR SE VIRES CAIR
Nos teus lábios cor-de-rosa,
Um beijo do nosso amor!
Sentirás no coração
A nossa linda união,
Que nos une com ardor!

FOLHAS VERDES NA VARANDA...
Apanha-as todos os dias,
Para que não vão murchando!
Recebe-as sempre com vida
E beija-as logo em seguida,
Pois são beijos que eu te mando!

ACREDITA, SÃO SAUDADES
Que sinto por ti, ó bela,
De te ver de te beijar!
Podes crer que esta paixão,
Me devora o coração...
Ao ponto de te adorar!

QUE O MEU CORAÇÃO TE MANDA,
São palavras de ventura,
De sentimentos... de dor!
Um beijo dado p'los dois,
Faz unir dois corações
Num lar de paz e amor!

Todas são a minha vida!



Eu tenho três flores belas,
A vida do meu jardim!
Gosto imenso, imenso delas,
E elas gostam de mim!

Cada flor, cada vida,
Todas pra mim lindas são.
Da pequena à mais crescida,
Vivem no meu coração!

Essas flores perfumadas,
São meu Mundo, um Mundo inteiro!
Andam juntinhas, ligadas,
Vivem no meu canteiro!

Se me perguntasse alguém
Qual delas a preferida.
Eu respondia, pois bem...
Todas são a minha vida!

Descendem duma flor
Que eternamente as gerou,
E que Deus Nosso Senhor,
P´ra sempre santificou!

A minha boneca






Esta minha bonequinha
Tem um ano... é natural!
Deu-me a minha mãezinha,
por altura do Natal!

Desde então... sempre na mesma,
Nunca cresce, a enfezada!
Parece mesmo uma lesma!
Nunca fala... não diz nada!

Se eu a beijo... não me beija!
Se lhe falo... não me liga!
Se eu a deito... ai! Que se aleija!
E chora pela barriga!

Os seus olhinhos vidrados
São a minha perdição.
Mas à noite, esses malvados,
Parecem os do Papão!

Baptizada... quem diria!
Com um nome tão catita!
Quis dar-lhe o de Ana Maria,
Mas ficou Maria Anita!

Educada é... a Maria.
Se é feia, leva um açoite!
À gente desta folia,
Diga adeuzinho e boa noite!

Valsa da despedida



Quem parte, sente à partida
Uma pujante emoção!
Quem fica, na despedida
Sente preso o coração!

Quem fica, fica a carpir
Uma saudade, uma dor!
Quem parte, finge sorrir
Nas máguas dum grande amor!

Dizem que o amor nasceu
Da Eva e do Adão,
Mas eu afirmo que o meu
Nasceu no meu coração!

Amor, ventura cegueira
Que nasce dentro da gente,
Que é cinza de uma fogueira,
Que se apaga num repente!

Amor, saudade distante!
Amor, paixão pervertida!
Amor, palavra inconstante!
Que mata... que nos dá vida!